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Uma das primeiras referências oficiais à região, na qual surgiria posteriormente o arraial de Cantagalo, data de 1767, quando as autoridades coloniais ordenam ao Sargento-Mor Manoel Vieira Leão, a confecção de uma carta geográfica.
A ignorância sobre tudo o que encerrava as vertentes da serra da Boa Vista em direção ao Rio Paraíba do Sul, bem como o território compreendido entre os seus afluentes Paquequer e Grande era tal, que se limitaria o militar a inscrever na grande extensão, hoje ocupada por quinze municípios, uma frase tão singela quanto imprecisa: ?Sertão Ocupado por Índios Brabos?.
É possível que Vieira Leão se referisse aos índios Coroados, bem como a remanescentes de tribos que, premidas pelas frentes de ocupação oriundas de Campos dos Goytacazes deslocavam-se para o médio Paraíba.
A região se mantivera fechada aos europeus por quase todo o século XVIII por força de cartas régias, as quais objetivando coibir o contrabando aurífero de Minas Gerais, interditavam a abertura de novas estradas e estabeleciam áreas proibidas à ocupação.
Os Sertões do Leste, correspondente a zona da mata mineira, e os Sertões do Macacu, na província fluminense, eram duas delas.
Em torno de 1780, no entanto, um garimpeiro de nome Manoel Henriques, por alcunha Mão de Luva, provavelmente natural de Minas Gerais, atravessa o Rio Paraíba do Sul, invadindo o território interditado com objetivo de garimpar ouro de aluvião sem recolher a quinta parte, por lei exigida pela coroa.
Em 1784, organiza-se a primeira expedição contra Mão de Luva e seu bando, comandada pelo Sargento-mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho.
Tiradentes, como alferes, fazia parte do destacamento, incumbido da realização de levantamentos topográficos.
Uma segunda expedição, em 1786, lograria finalmente capturar o contrabandista, referido como ?facinoroso? pelas autoridades coloniais.
Ele, juntamente com um irmão e vários asseclas, seria levado a julgamento em Vila Rica, escravos e ouro apreendidos e o acampamento arrasado.
Quanto ao Sargento-mor, deve-se a ele a primeira referencia documental ao sítio conquistado como ?Córego do Canta Gallo do descoberto do Macacu?, não explicitando o motivo de tal nome.
O mineralogista inglês John Mawe, que em 1809 visitaria a região, teria colhido dos habitantes a versão de que as tropas invasoras, desorientadas por infrutíferas buscas, tinham por fim, ouvido o canto de um galo, o que os levou à paliçada defendida pelos contraventores.
Uma vez devassado clandestinamente o território, decidiria a coroa por autorizar o seu povoamento, esperançosa de que o novo descoberto viesse a compensar a decadência observada nas jazidas mineiras.
O vice-rei D.
Luiz de Vasconcellos e Souza, ordenou desta forma ao Superintendente Geral do Ouro da Capitania do Rio de Janeiro, desembargador Manoel Pinto da Cunha e Souza, que se dirigisse ao local, erguesse uma sede administrativa do novo garimpo, promovendo em seguida a distribuição de datas auríferas aos interessados em explorá-las, os quais, para tal, deveriam possuir doze escravos ou mais.
Manoel Pinto da Cunha e Souza, munido de atribuições que lhe conferiam a condição de autoridade máxima, chega ao destino em 2 de junho de 1787, juntamente com um séqüito de militares, pároco e agentes administrativos.
Na falta de melhor sítio, instala-se exatamente no antigo local do acampamento destruído, edificando as primeiras construções, entre as quais a casa do Registro do Ouro.
Ordena ele preliminarmente que se proceda a uma prospecção nos córregos da Lavra Velha, atual córrego das Lavrinhas e do Canta Gallo, atual córrego São Pedro, iniciando ao longo dos mesmos a distribuição das terras.
Este primeiro administrador morreria em 1799, sem que o ouro arrecadado sequer igualasse as despesas administrativas.
De qualquer forma, pouco depois da abertura oficial do novo território, algumas poucas famílias, originárias principalmente de Minas Gerais, dos Açores e de Santo Antonio de Sá, dariam inicio à ocupação permanente da região, abrindo clareiras nas matas e reivindicando a posse de largas faixas de terras à volta, às quais, uma vez concedidas pelo governo provincial ou pela coroa, dava-se o nome de ?sesmarias?.
Eram, em geral, grandes extensões de meia ou mesmo uma légua em quadra, cujos limites imprecisos não raro, provocariam arrastados conflitos nos anos subseqüentes.
Da cultura de subsistência, se deslocariam estes povoadores para a cana de açúcar e o café, este último, já assinalado de forma ainda incipiente em torno de 1805.
O inglês Mawe, já em 1809 se mostrará surpreso pelo número e qualidade das fazendas que encontra pouco mais de vinte anos decorridos desde o início do povoamento sistemático.
Em 1814, cessada a febre do ouro, mas tendo início o incremento do café, o ?arraial e distrito das Novas Minas de Cantagallo? assume importância crescente, sendo elevado, através de alvará do príncipe regente D.
João, datado de 9 de março, à condição de vila, sob o nome de ?São Pedro de Cantagallo?, emancipando-se, pois, de Santo Antônio de Sá.
Esta última, antiga sede de vasto município que se estendia da baía de Guanabara até os limites com Minas Gerais, poucos anos depois mergulharia em um processo de irreversível decadência, até que dela não restasse mais que as magníficas ruínas de um mosteiro a poucos quilômetros da atual cidade de Itaboraí.
A primeira Câmara Municipal de Cantagalo seria inaugurada em 1815, erigindo-se então o pelourinho no largo do Rossio, descampado situado em frente à velha igreja, em área que difere poucos metros da localização do templo atual, este com data de 1870.
Em 1818 o município de Cantagalo sofreria seu primeiro desmembramento, uma vez que D.
João VI aparta-lhe uma vasta região junto a serra da Boa Vista, para a instalação no ano seguinte de uma colônia suíça.
Em 1824, os arraiais de Aldeia de Pedra e São Fidélis, anteriormente pertencentes a Campos dos Goytacazes e desde 1814 sob a jurisdição de Cantagalo, retornam ao município de origem.
De qualquer maneira, Cantagalo neste período abrange ainda um território que daria origem a uma dezena de outros municípios.
Logo atrairá muitas das famílias suíças originalmente destinadas a Nova Friburgo, as quais abandonam os píncaros da serra em favor de terras mais quentes.
Estes imigrantes europeus ? primeira alternativa ao modelo escravista a ser tentado no Brasil ? se espalhariam por todo o município a partir de 1820, incrementando a implantação de novas lavouras de café.
A eles seguiriam os alemães, a partir de 1824, bem como alguns poucos italianos, britânicos e franceses.
Quanto aos indígenas, primeiros habitantes, aos quais se referira com indisfarçável temor em 1767 o Sargento-mor Vieira Leão, já não passavam de grupos esparsos, aculturados gradualmente e, não raro, mão de obra semi-escrava nas derrubadas que se dariam em toda a região.
Inicialmente reduzidos por ação dos religiosos que subiam o Paraíba, a algumas aldeias pouco a pouco descaracterizadas, encontravam-se cercados pela frente que avançava de Campos, pela ocupação dos Sertões do Leste em Minas Gerais e finalmente pela chegada do colonizador às Novas Minas de Cantagalo.
Sua presença intimidante no imaginário europeu desapareceria também por força das doenças, entre as quais a tuberculose e a varíola, bem como as frentes de ocupação utilizariam outros artifícios, entre os quais donativos baratos e aguardente.
Cantagalo, que desde 1787, além da população civil, contaria com uma milícia de pelo menos duas dezenas de soldados, estava igualmente em condições de se contrapor, através da força, a qualquer resistência que os indígenas viessem a oferecer contra os invasores.
John Mawe, ao atravessar o município, em 1809, encontra alguns remanescentes de uma aldeia, já parcialmente aculturados, vestindo-se segundo os portugueses e Debret, pouco mais de dez anos depois, registra em aquarela os ?caboclos dos arredores de São Pedro de Cantagalo?, assinalando que os mesmos executavam tarefas para os ricos proprietários da região, que os remuneravam com ?gêneros alimentícios e cachaça?.
A primitiva ocupação territorial pelo europeu e a concomitante desagregação do elemento autóctone, portanto, não iria diferir do observado em outras regiões brasileiras, ora prevalecendo o aparato bélico, ora a abordagem de cunho religiosa, bem como a sedução através de presentes de pouco valor.
Nesta equação, a aguardente e as enfermidades exerceriam um significativo papel e os livros paroquiais de Cantagalo conteriam cada vez mais raras referencias aos indígenas, até que fossem os mesmos em meados do século, sepultados no silencio absoluto.
O plantio da rubiácea, ao longo de pelo menos sete décadas do século XIX reinaria inconteste em Cantagalo, chegando o município, por momentos, a suplantar a produção de todos os outros pólos da província fluminense.
Muito mais do que a expansão da urbe, esta fabulosa riqueza, aliada a uma influência política crescente no âmbito provincial, acabaria por elevar a sede municipal à condição de cidade, em 2 de outubro de 1857.
A data de tal título, na verdade mais simbólico do que representativo de uma real modificação de status seria durante muitas décadas, já no século XX, confundida com a da sua verdadeira emancipação político-administrativa ocorrida em 9 de março de 1814.
Esta acumulação de capital amealhada principalmente sobre o dorso cativo e através de um desmatamento acelerado, levaria ao surgimento de uma aristocracia agrária, cujo perfil conservador e arraigado à monocultura e ao escravismo, acabaria por leva-la ao colapso antes do final do século.
Não obstante, indivíduos como Antônio Clemente Pinto, imigrante português que enriquecera através do café e do tráfico e se tornaria comendador e posteriormente o 1o Barão de Nova Friburgo, representava, em meados do século XIX, uma das maiores fortunas de todo o país, proprietário de duas dezenas de fazendas e palácios como os do Catete, no Rio e do Gavião, em Cantagalo.
Cerca de 19 cantagalenses ou moradores de Cantagalo, via de regra, ligados à produção e comércio do café seriam agraciados com títulos nobiliárquicos, até o advento da república.
A família Clemente Pinto, em sua segunda geração, seria responsável pela chegada em Cantagalo da estrada de ferro, cujo ramal do distrito de Cordeiro até a sede, seria inaugurado em 1876, sob responsabilidade de Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, filho do patriarca, já falecido.
A ferrovia, além de beneficiar o escoamento da produção das fazendas da família, seria explorada por longos anos, através de contrato de exclusividade, por quem a financiara.
Data desta época e até o final do século, o afluxo para Cantagalo de numerosas famílias originárias da Itália, as quais, juntamente com as libanesas, encerrariam o ciclo migratório iniciado com os açorianos ainda no final do século XVIII.
A partir da crise das lavouras cafeeiras, passaria o município por um longo período de decadência e estagnação.
A emancipação de velhos distritos lhe causaria significativa perda territorial, bem como, famílias arruinadas, abandonariam suas antigas fazendas e casarões.
O gado, em regime extensivo, substituiria o café no solo enfraquecido por quase um século de plantio e a população chegaria a diminuir.
Somente nas últimas décadas do século XX, o calcário, já assinalado por John Mawe em 1809, entraria em cena, arrojando Cantagalo em novo ciclo de ascensão econômica.
Cantagalo (RJ).
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2015.
Disponível em: http://www.
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